Santo André, * *
Por: Viviane Barbosa, Redação Sindserv Santo André
Publicação: 28/04/2020
card: Google
Nesta terça-feira (28) celebra-se o Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho e Dia Nacional em Memória das Vítimas de Acidentes e Doenças do Trabalho, e a ISP (Internacional de Serviços Públicos) divulgou nota reafirmando a luta por segurança e dignidade para a classe trabalhadora. A entidade, confederação sindical internacional, representa 30 milhões de trabalhadores e trabalhadoras em 154 países.
Segue a nota da ISP:
Em meio à pandemia de coronavírus que assola o mundo,
fica ainda mais explícita e urgente a necessidade de valorização de
quem trabalha no setor saúde ou em serviços essenciais, tais
como Água e Saneamento; Energia; Gás; Asseio, Conservação e Coleta
de Resíduos Sólidos; Assistência Social; Educação, Ciência e
Pesquisa; Fisco e Tributos; Funerárias e Cemitérios;
Judiciário; Segurança Pública e Sistema Prisional, Comunicação
,entre outros.
Em que pese o ambiente de trabalho seguro ser um direito humano universal, reconhecido internacionalmente por meio de normas da Organização Internacional do Trabalho e pelo ordenamento jurídico ainda vigente no Brasil, trabalhadores e trabalhadoras da Saúde têm vivido dias difíceis diante do aumento exponencial dos riscos ocupacionais neste contexto de pandemia. Essa situação tem evidenciado, ao mesmo tempo, a fragilidade dos sistemas de proteção da saúde de trabalhadores e trabalhadoras e as interfaces entre as condições de trabalho e a qualidade dos serviços que, no caso da saúde, são dimensões inseparáveis.
À falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) básicos como luvas, aventais e máscaras, amplamente noticiada pela mídia, por sindicatos e conselhos profissionais, somam-se outras condições graves com jornadas extenuantes, equipamentos e instalações precárias, reduzido quadro de funcionários e funcionárias, falta de medicamentos e insumos, contratos precários e outras tantas situações que acentuam a insalubridade e a penosidade do trabalho.
A campanha “Trabalhadoras e Trabalhadores Protegidos Salvam
Vidas”, por meio de questionários respondidos de forma
voluntária e anônima por – até o momento – 1.794 trabalhadores e
trabalhadoras, obteve informações preocupantes: 62% não
possuem EPI`s – Equipamentos de Proteção Individual em número
suficiente ( e onde há existem alguns relatos de péssima
qualidade dos mesmos ); 64% de profissionais de saúde não passaram
por treinamento ou formação adequada para atendimento aos
pacientes com suspeita ou confirmação de coronavírus; 80% de
quem atua nos serviços essenciais informam não ter tido treinamento
ou formação adequada para desenvolver o trabalho junto à
população; 53% relatam estar em sofrimento psíquico em função
deste quadro, sendo que 78% dos respondentes são mulheres e 36%
informam realizar diariamente uma jornada de 12 ou mais horas
de trabalho. Informações mais detalhadas no site
http://trabalhadoresprotegidos.com.br
Se, em condições de “normalidade”, profissionais de saúde já lidavam com elevado nível de estresse e se deparavam com situações-limite, com a chegada da pandemia estão tendo que lidar com o sofrimento ético e as difíceis decisões sobre o uso dos escassos equipamentos e insumos; o sofrimento de usuários e familiares; o medo dos riscos que o contágio do coronavírus representa para si mesmos e para as outras pessoas; além da supressão do contato com a família, o preconceito e agressões por estarem na linha de frente neste combate. Na contramão de outros países que estão assegurando garantias trabalhistas e previdenciárias, reconhecendo a Covid-19 como doença ocupacional entre trabalhadores e trabalhadoras da saúde e de serviços essenciais, no Brasil está em curso o desmantelamento de direitos, a exemplo da MP 927/2020 que, dentre outros retrocessos, suspende a realização dos exames periódicos, os treinamentos e atividades das CIPAS e impede a caracterização de Covid-19 como doença do trabalho, quando os locais de trabalho sabidamente são espaços potenciais de contágio, principalmente na área de saúde, onde trabalhadores e trabalhadoras estão maciçamente expostos a riscos biológicos, pela própria natureza do trabalho em saúde.
As Normas Regulamentadoras (NRs) de Saúde e Segurança no Trabalho, que estabelecem parâmetros básicos para medidas de prevenção de acidentes e doenças do trabalho, como também referenciam a caracterização de insalubridade, a reparação de danos à saúde causados pelo trabalho e as ações de fiscalização, também estão no rol de direitos que estão sendo atacados.
Com a mesma irresponsabilidade com que vem conduzindo o
enfrentamento da pandemia – sob a premissa de que a economia é
um valor mais importante do que a vida – o governo federal
estabeleceu um processo questionável de revisão das Normas
Regulamentadoras e que pretende eliminar 90% das suas exigências
que, a seu ver, são meras formalidades administrativas,
revelando o seu profundo descaso e banalização das
situações de risco a que milhões de trabalhadores e
trabalhadoras estão submetidos.
Mais uma vez o governo federal recorre ao argumento de que a
legislação é arcaica, extensa e incompatível com a realidade
atual do trabalho e que as medidas de prevenção obrigatórias
representam um custo e entrave à produtividade, justificativa
recorrente entre empregadores que defendem a exploração predatória
do trabalho, onde trabalhador e trabalhadora são considerados
um recurso de produção intercambiável, utilizado à
exaustão, que pode ser substituído a qualquer momento. A
posição do governo é a mesma que teve durante a reforma
trabalhista, que retrocedeu em mais de um século a regulação do
trabalho e que vem configurando o mercado de trabalho com
contratos precarizados e relações informais disfarçadas de
“empreendedorismo” e desprovidas de qualquer proteção
social.
Se o objetivo fosse de fato a propalada modernização, a
revisão buscaria maior efetividade na prevenção de acidentes e
doenças, frente à persistência de elevados índices de acidentes de
trabalho, como também responder aos problemas que estão
emergindo das novas formas de organização e de contratação do
trabalho. Ao contrário do que diz o governo, a preservação da
saúde de trabalhadores e trabalhadoras não só favorece a
produtividade, como reduz os custos da seguridade social ao
diminuir as milhares de mortes, mutilações e adoecimento, além
do incalculável custo social e humano. Qualquer revisão
deveria levar em conta o diálogo com as entidades sindicais assim
como a realidade do trabalho no país, onde vergonhosamente
ainda se tem que combater o trabalho escravo e infantil, onde
coexistem condições de trabalho que remontam o século XVIII
com tecnologias mais avançadas de robótica e inteligência
artificial, tendo repercussões importantes no perfil de
morbimortalidade relacionada ao trabalho.
Nada disso tem sido levado em conta, ao contrário, as discussões na Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP) têm sido feitas a toque de caixa tão somente para atingir o objetivo de “enxugar” os conteúdos das normas em 90%, desconsiderando a complexidade das situações de trabalho e os problemas a que cada norma buscou responder.
Nos últimos cinco meses, seis normas foram alteradas e, a
despeito da calamidade pública decorrente da pandemia gerada
pelo coronavírus, o governo manteve o calendário de revisão de
outras normas, dentre elas, a proposta de revogação do anexo
14 da NR 15, referente aos riscos biológicos, baseado em um
parecer tendencioso da Fundacentro que reduz o escopo de
proteção e descaracteriza a insalubridade dos ambientes
de trabalho, relativizando o potencial de danos à saúde de
trabalhadores e trabalhadoras, inclusive na área da saúde.
O adoecimento e morte por Covid-19 de profissionais de saúde não
deixa qualquer dúvida sobre a insalubridade do trabalho em
saúde. Contraditoriamente, profissionais têm sido os principais
protagonistas na guerra contra o vírus e fazem parte dos
grupos em maior situação de vulnerabilidade, agravada pela falta e
inadequação dos EPIs e por outras situações que mencionamos
nesta nota.
Embora a subnotificação e a falta de testagem dificultem um quadro
mais preciso da situação, a estimativa é de que 15% de
profissionais de saúde podem ser infectados pelo coronavírus e a
cada dia são noticiados mais mortes e afastamentos do trabalho
por Covid-19. Esta situação, inquestionavelmente dramática, tem
mobilizado o apoio da sociedade e a movimentação de
parlamentares para assegurar direitos por meio da elaboração de
Projetos de Lei visando a garantia efetiva de proteção, do
adicional de insalubridade e de pensão à família em caso de
morte.
Ainda no tocante às normas regulamentadoras, a NR 32
relativa às condições de trabalho nos estabelecimentos de
saúde está na lista das que serão reformuladas, dentro do mesmo
espírito mencionado de desresponsabilizar os empregadores
pelas medidas de proteção à saúde de trabalhadores e trabalhadoras.
Esta norma estabelece diretrizes para a prevenção do conjunto
de riscos presentes nos locais de trabalho, que não se restringem
aos riscos biológicos. Dada a complexidade dos seus processos
de trabalho, trabalhadores e trabalhadoras estão
expostos a outros riscos como agentes químicos, físicos, sobrecarga
psíquica e outras condições nocivas à saúde. A ISP e todas as
entidades à ela afiliadas no Brasil se somam ao Ministério Público
do Trabalho e com as Centrais Sindicais, para que questionem e
não aceitem esse processo de revisão das NRs, exigindo que sejam
cumpridas as diretrizes da OIT para as negociações tripartites
e o respeito aos direitos fundamentais do trabalho, que
estão sendo sistematicamente violados no processo em
curso.
Ademais, reiteramos a defesa do fortalecimento do Sistema Único de
Saúde e do seu papel preponderante no enfrentamento da
pandemia, bem como o desenvolvimento de ações mais efetivas e
concretas, que articulem a sociedade e o poder público para
manter o isolamento social e prevenir a contaminação, evitando
assim o adoecimento e a morte de milhares de pessoas.
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